terça-feira, 24 de março de 2009

Manolo Blahnik

Maria Luisa é uma mulher incrível. Inteligente, culta e bem articulada, atrai olhares de todos por onde passa. Seu porte físico esguio e elegante ganha ares de uma sensualidade natural em gestos, charme e um despojamento autêntico. Nascida em berço de ouro e acostumada com lençóis de algodão egípcio, foi educada nos melhores colégios, leu os grandes clássicos, visitou os museus mais significativos, foi a shows e teatros de artistas incontestáveis, frequentou desde pequena os melhores lugares, nas melhores viagens pelo mundo. E quando resolveu saber mais da vida foi morar sozinha na Europa. Estudou e trabalhou no que quis, se entregou a grandes paixões e a amores mansos. Foi amada, amou, desamou, teve decepções amorosas sempre curadas em banhos de espuma e taças de vinho francês. Quando decidiu por responsabilidade, criou uma grife de roupas que logo ficou famosa. Casou com um grande amor e desde que o casamento havia acabado, morava em uma casa maravilhosa, distante do grande centro da cidade. Em sua sala espaçosa com confortáveis sofás e paredes imensas de vidro, Maria Luisa, recebia, em festas e reuniões super concorridas, intelectuais e pessoas descoladas que por madrugadas adentro se deliciavam ao som de boa música, poesia e conversas animadas.

Bene é um homem estranho. Um destes moradores de rua sujos e sem identidade, logo ganhou fama na rua onde dorme, pelo seu jeito esquisito e eloquente de ser. Com traços de esquizofrenia, anda pelas ruas vivendo de esmolas e sempre as voltas com as assistentes sociais que querem lhe dar um lar, uma “vida de homem de bem”. Ao contrário do que pensam, não gosta de bebidas alcoólicas, na verdade, adora aproveitar o anonimato e a fama de louco para dizer o que quer, da maneira que quer. Nem sempre foi assim. Benedito, trabalhava com carteira assinada, tinha carnês, de prestações a perder de vista, de carro e electrodomésticos. Casou-se jovem, com a menina bonita e carinhosa do bairro, para assumir uma gravidez precoce e assim viu o sonho de ser professor de literatura ir por água abaixo. Um dia, depois de um dia péssimo de trabalho, chegou em casa e paralisou perante a descabelada e obesa mulher, que a sua menina tinha se transformado, ela berrava mil reclamações enquanto devorava espalhada no sofá, sujo da sala, um prato de macarrão instantâneo. A paralisia se transformou em uma crise nervosa irreversível que o fez sumir dali e nunca voltar. Bene era do mundo.

Janete era engraçada. Tinha uma maneira peculiar de sempre ir diretamente ao assunto, mesmo sendo, este assunto, desagradável e indigesto, louca por detalhes, arrematava com um comentário decisivo baseado no mundo próprio que vivia. Não era bonita, nem feia. Viveu sua infância correndo e andando de bicicleta em uma cidade do interior, quando mudou para cidade grande, achou tudo tão diferente, mas, logo se adaptou. Trabalhou em tantas coisas que não saberia mais quantificar e gastava grande parte do que ganhava, sendo vendedora de uma loja de ferramentas para construção, em roupas inspiradas na moda das telenovelas. Adorava dançar e saia com amigas para boates e bares da cidade. Só havia namorado uma vez e desde então, tinha relacionamentos rápidos, sempre com mil histórias engraçadas, amantes problemáticos e namoradinhos apaixonados. Aprendeu desde cedo que se fosse educada e cordeira, teria bons lucros! Andava as voltas com um patrão que a assediava e humilhava, mas, tinha os três cartões de créditos cheios de prestações para pagar, por isto, suportava tudo, sendo calculista, sempre de olho na próxima e prometida grande oportunidade que a vida iria lhe trazer.

Maria Luisa saiu apressada do seu terapeuta, no elevador seu celular tocou e era sua amiga chorando e reclamando da traição do marido, ao atravessar a rua............

Janete, pegou a condução para voltar ao trabalho depois de ir ao centro bancário pagar parte das suas contas, pestanejou contra o cobrador grosseiro e o motorista apressado. Sentou no primeiro banco logo a frente e antes mesmo de se acomodar foi arremessada contra o vidro do ônibus depois de uma freada brusca, tentativa frustrada de.......

Bene, comia na praça um resto de mamita oferecida pelo dono do bar da esquina, olhava para suas mãos sujas distraído ao mastigar, voltou a realidade pelo barulho de um ônibus em alta velocidade tentando frear, seu coração disparou, preferiu não olhar e escutou gritos….

Os respingões de sangue no vidro do ônibus assustaram Janete. Sentiu o sangue escorrendo pelo rosto e por segundos, achou que aquele vermelho fosse do seu corpo. Ao levantar, assustada e maldizendo o motorista imprudente, olhou para o asfalto a frente, e soltou um grito de desespero ao ver a poça de sangue em que Maria Luiza estava mergulhada.

Sol a pino em dezembro feito de verão escaldante, uma hora da tarde, o trânsito que já marcara seu compasso com buzinadas e palavrões pelo atraso na cidade que não pode parar. Bene, viu estendida sob o asfalto a moça com o rosto desfeito em carne em pedaços, o sangue, que escorria pela cabeça de um cérebro amolecido a mostra, escoava borbulhando no asfalto quente. Seus últimos suspiros foram sôfregos e afogados em substâncias corporais retorcidas. A multidão de curiosos observava em transe caustico a cena pavorosa. Janete, já recomposta, em pensamentos agradecia estar bem e viva, já Bene, abriu caminho na multidão e ajoelhado perto de Maria Luisa observou a pele alva e macia das pernas a mostra e leu devagar os escritos do seu sapato: ma-no-lo b-l-a-h-n-i-k, olhou para o céu e como em profecia, começou a gritar com toda força da sua voz em disparada: DO PÓ VIEMOS, AO PÓ VOLTAREMOS (SSSSSSSSSSSSS)!

segunda-feira, 16 de março de 2009

poema de dentro






Doses cavalares de você
Beijos desconcertantes da sua boca
Língua passeando livremente na minha pele
Mãos percorrendo desesperadamente meu corpo
Dentes prensados delicadamente no meu pescoço
Sugando minha saudade
Meu desejo enlouquecedor de você

Doses homeopáticas de amor
Pelo resto da minha vida
Amor, as mãos dadas
Aos sorrisos bobos de contentamento
Olhares delicados e intensos
Tão de perto
Que olhar de perto é beijo

E nunca mais
e… em hipótese nenhuma
Ser mais longe que isto
Ser tão longe do que é hoje
Ser mais longe que um palmo do meu amor
Uma polegada da sua paixão

Que mais perto, seja dentro
Dentro, eu da sua boca
E você, sempre pulsando
Incontido em seu desejo
Dentro
Mais dentro,
Ainda mais insamente dentro
Ainda por muito mais tempo
Porque amor como este
É para ser vivido assim,
Para o lado de dentro
Nunca mais longe que isto….

domingo, 8 de março de 2009

para todas as mulheres que conheço e admiro!












Sim, se você trocasse
a boêmia pela classe;
A classe agiria em você
e Ihe daria um norte.
E a classe por acaso
mata a sede com xarope?
MaiacovisK



Pela noite escura adentro, deixou-se cair pela rua sentando aos risos com sua nova turma de amigos encontrada no bar do centro da cidade, onde se concentrava uma boémia pseudo-intelectual metida a querer sugar dos bares os subterfúgios da vida sem responsabilidades. Ali, rindo de uma maneira exaltada e quase teatral, em entrega total a sorte do destino, consumia o final do seu dia, que tinha começado de uma maneira tão insuportável, quanto a dor de se manter sóbria. Esqueceu-se em um canto por momentos e novamente a imagem dele em sua diferença veio a mente e em seus pensamentos embriagados sua face foi transformada um grande personagem de filme de terror, com dentes monstruosos salivando, olhos enormes vermelhos e dedo em riste a apontando entre gargalhadas.

Então ali, naquele canto encolheu-se na sua posição fetal, e chorou. Escorreu em lágrimas, sentindo o hálito dele acima da sua cabeça repetindo as mesmas palavras ditas horas atrás, mas com rigor trágico e aterrador que a fazia tremer inteira. Mergulhada em um grande buraco negro, com a força das frases dilatadas, veio a mente momentos que fizeram dele o grande homem que tinha passado pela sua vida, os melhores encontros de sua mísera existência, via estes momentos congelados como em fotografias voando em um grande roda moinho do tempo.
Consumida

Sugada
Abriu seus olhos e absorveu o vento trazendo em uma voz distante seu nome a colocando numa postura, ereta e firme, na realidade. A sua frente a face enternecida de sua amiga e seu convite urgente de seguir adianta, a fez sair em um pulo do torpor. Saiu a rua, acompanhada, pelas ruas estreitas de pedras, cantalorando canções castelhanas aos berros até chegar um lugar obscuro que soltava do seu interior sons de risos e gaita, dentro, uma voz rouca de um estranho barbudo começou os acordes de Hoochie Coochie Man.
Sentiu-se invadida por aquela música que sempre a moveu a bons e livres sentimentos, então, tirou a o casaco que a envolvia, muniu-se de um cigarro e uma taça de vinho e em meio a desconhecidos e ausentes, dançou. Cantou. Sorria livre, rodopiando quase que em transe envolvida a frescas ideias de futuro. Próximas férias a ser planejadas em um lugar que sozinha sempre sonhou; noites livres para passar acordada rindo com amigos ou sozinha lendo, divagando no seu diário e ouvindo música; pensar no futuro com sonhos próprios; colocar suas roupas, sem precisar ser a mulher de classe que nela ele sempre enxergou; se apaixonar uma, dois, três vezes sem comprometimento ou expectativas; tirar o ar blasé do rosto de mulher resignada; não avisar por onde anda, por onde quer ir, por onde pode leva-lo; ter sentimentos livres, sem se preocupar em amansar suas dúvidas, seus arrombos de expectativas; não enquadrar nele sua fome de viver; jogar fora a balança de defeitos e qualidades… tanta coisa…. Tantas possíveis mudanças…

Seus planos foram interrompidos por palavras como linda e nome, ditas por um homem insistente de aparência forte que estava ao seu lado. Olhou impávida para ele, incomodada, viu o ambiente cheio. Queria espaço, queria estar só. Não queria dizer o nome, não queria se sentir linda ou feia, necessária ou descartável, desejada ou amada, espirituosa ou introvertida. Queria estar só.

Sozinha e imóvel por minutos, parou seus olhos em um relógio antigo na parede e o tudo silenciado no seu interior, fez com que ouvisse o tic-tac chamativo, hora de ir para casa. Vestiu-se de ebriedade e passou de ombros ao homem alto e saiu.

Ao longe, ouvia-se na madrugada silenciosa a força dos seus passos, as pedras escorregadias da rua receberam seus novos caminhos e ela, caminhava, não pensava na chegada ou no horizonte distante, simplesmente andava…