quarta-feira, 29 de setembro de 2010

amor, com amor se paga.



“me dê sangue
e mais sentimentos
pois lá fora já é frio demais”

Nasi


Sua boca perto a minha e eu só ouvia o mexer da sua língua em fonemas amorosos saltados para fora! Eu te amo e daria a vida por ti.


Foi assim que me levou para junto do seu mundo, que não fazia parte. Escutava todos os dias eu te amo e ficava feliz, te esperando ansiosamente para o jantar.


Depois o som da saliva melenta das palavras desapareceu e o barulhinho gostoso que ouvia de “eu te amo” ficou tão duro. Foi aí que você chegou feliz em casa com um casal de cachorros para lá de feios. Disse que eram importados da … da… de… uma tribo aborígene da Nova Zelândia, que tinham um pedigree e que eram raros e que….


Mas, amor, eram cachorros e eu te amo.


E eu, que por muito tempo os achei esquisitos e animais, comecei a conversar com eles, aquelas conversas de “tatibiritá” como se fossem crianças, os coitados. Suas babas escorridas nos pelos respondiam em linguagem que eu quase entendia.


Um dia você chegou e eu dormia. Acordei manhosa. Repudiou meu beijo. Afastou-me do seu corpo. Despejou seu dia enfadonho. Deitou debaixo das cobertas com um pijama escroto e disse EU TE AMO. Assim, assim mesmo, EU TE AMO. Escutei claramente o som das palavras no ar frio e silencioso do nosso quarto, fiquei lá, ecoando…EU TE AMO.


Nossos cachorros são lindos, eu me divirto com o jeito que dormem o dia todo em posições engraçadas. Eles me respondem sempre com gracejos sutis, eles são tão raros, caros e queridos, que, as vezes esqueço que são animais…


Amor, hoje eu disse para eles “mamãe, ama vocês”. Amor, juro, juro que escutei o barulho da saliva de um deles a dizer, eu te amo também.


Você ri e dorme. E eu escuto indo pela janela o grunido baixo que soltou… eu te amo.


Amor, eu amoooooooooo nossos cachorros….

(video do DVD "ao vivo em cena" do NASI. Uma nova e maravilhosa fase deste incrivellllll roqueiro brasileiro! Uma das músicas mais lindas que escutei nos últimos tempos. Reparem no beribau do Dinho Nascimento)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

a festa,






Observando…


As moças dançavam ao som da música que crescia em ritmo e empolgação. Sambavam e rodopiavam seus cabelos soltos na fumaça envolvente do ambiente a rebolar os quadris insinuantes. Trocavam olhares e palavras ao pé-da-orelha entre si e com rapazes a volta que não se deixavam envolver, alienados nas cervejas, nas vodkas, nos cigarros, nas conversas entre amigos e desconhecidos que chegavam a todo instante a comemorar o 11 de setembro, armando assim, posições de defesa em um campo de guerrilha. Esculhambados, com o ataque veroz , muniram-se de estratégias etílicas, mas, não havia tempo suficiente. A sala esvaziou-se da libido feminina e onde se olhava não se via as meninas escondidas em outros cantos da casa.


Como bebês chorões viram-se no desespero longe das suas casas, das suas mulheres, das suas conquistas e vitórias. Restava a miséria do dinheiro no bolso, o frizer cheio de cervejas e o alento das fotos de Che Guevara nas paredes.


Já se ia meados da madrugada, viam-se restos espalhados por todo o lado e o rapaz, que desfilava sua camiseta vermelho sangue: “ai Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”, resgatava seus amigos decaídos e perdedores dos escombros.


Pula de la madre, malditos comunas, fui embora sozinha.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

MANOLO BLAHNIK

Maria Luisa é uma mulher incrível. Inteligente, culta e bem articulada, atrai olhares de todos por onde passa. Seu porte físico esguio e elegante ganha ares de uma sensualidade natural em gestos, charme e um despojamento autêntico. Nascida em berço de ouro e acostumada com lençóis de algodão egípcio, foi educada nos melhores colégios, leu os grandes clássicos, visitou os museus mais significativos, foi a shows e teatros de artistas incontestáveis, frequentou desde pequena os melhores lugares, nas melhores viagens pelo mundo. E quando resolveu saber mais da vida foi morar sozinha na Europa. Estudou e trabalhou no que quis, se entregou a grandes paixões e a amores mansos. Foi amada, amou, desamou, teve decepções amorosas sempre curadas em banhos de espuma e taças de vinho francês. Quando decidiu por responsabilidade, criou uma grife de roupas que logo ficou famosa. Casou com um grande amor e desde que o casamento havia acabado, morava em uma casa maravilhosa, distante do grande centro da cidade. Em sua sala espaçosa com confortáveis sofás e paredes imensas de vidro, Maria Luisa, recebia, em festas e reuniões super concorridas, intelectuais e pessoas descoladas que por madrugadas adentro se deliciavam ao som de boa música, poesia e conversas animadas.

Bene é um homem estranho. Um destes moradores de rua sujos e sem identidade, logo ganhou fama na rua onde dorme, pelo seu jeito esquisito e eloquente de ser. Com traços de esquizofrenia, anda pelas ruas vivendo de esmolas e sempre as voltas com as assistentes sociais que querem lhe dar um lar, uma “vida de homem de bem”. Ao contrário do que pensam, não gosta de bebidas alcoólicas, na verdade, adora aproveitar o anonimato e a fama de louco para dizer o que quer, da maneira que quer. Nem sempre foi assim. Benedito, trabalhava com carteira assinada, tinha carnês, de prestações a perder de vista, de carro e electrodomésticos. Casou-se jovem, com a menina bonita e carinhosa do bairro, para assumir uma gravidez precoce e assim viu o sonho de ser professor de literatura ir por água abaixo. Um dia, depois de um dia péssimo de trabalho, chegou em casa e paralisou perante a descabelada e obesa mulher, que a sua menina tinha se transformado, ela berrava mil reclamações enquanto devorava espalhada no sofá, sujo da sala, um prato de macarrão instantâneo. A paralisia se transformou em uma crise nervosa irreversível que o fez sumir dali e nunca voltar. Bene era do mundo.

Janete era engraçada. Tinha uma maneira peculiar de sempre ir diretamente ao assunto, mesmo sendo, este assunto, desagradável e indigesto, louca por detalhes, arrematava com um comentário decisivo baseado no mundo próprio que vivia. Não era bonita, nem feia. Viveu sua infância correndo e andando de bicicleta em uma cidade do interior, quando mudou para cidade grande, achou tudo tão diferente, mas, logo se adaptou. Trabalhou em tantas coisas que não saberia mais quantificar e gastava grande parte do que ganhava, sendo vendedora de uma loja de ferramentas para construção, em roupas inspiradas na moda das telenovelas. Adorava dançar e saia com amigas para boates e bares da cidade. Só havia namorado uma vez e desde então, tinha relacionamentos rápidos, sempre com mil histórias engraçadas, amantes problemáticos e namoradinhos apaixonados. Aprendeu desde cedo que se fosse educada e cordeira, teria bons lucros! Andava as voltas com um patrão que a assediava e humilhava, mas, tinha os três cartões de créditos cheios de prestações para pagar, por isto, suportava tudo, sendo calculista, sempre de olho na próxima e prometida grande oportunidade que a vida iria lhe trazer.

Maria Luisa saiu apressada do seu terapeuta, no elevador seu celular tocou e era sua amiga chorando e reclamando da traição do marido, ao atravessar a rua............

Janete, pegou a condução para voltar ao trabalho depois de ir ao centro bancário pagar parte das suas contas, pestanejou contra o cobrador grosseiro e o motorista apressado. Sentou no primeiro banco logo a frente e antes mesmo de se acomodar foi arremessada contra o vidro do ônibus depois de uma freada brusca, tentativa frustrada de.......

Bene, comia na praça um resto de mamita oferecida pelo dono do bar da esquina, olhava para suas mãos sujas distraído ao mastigar, voltou a realidade pelo barulho de um ônibus em alta velocidade tentando frear, seu coração disparou, preferiu não olhar e escutou gritos….

Os respingões de sangue no vidro do ônibus assustaram Janete. Sentiu o sangue escorrendo pelo rosto e por segundos, achou que aquele vermelho fosse do seu corpo. Ao levantar, assustada e maldizendo o motorista imprudente, olhou para o asfalto a frente, e soltou um grito de desespero ao ver a poça de sangue em que Maria Luiza estava mergulhada.

Sol a pino em dezembro feito de verão escaldante, uma hora da tarde, o trânsito que já marcara seu compasso com buzinadas e palavrões pelo atraso na cidade que não pode parar. Bene, viu estendida sob o asfalto a moça com o rosto desfeito em carne em pedaços, o sangue, que escorria pela cabeça de um cérebro amolecido a mostra, escoava borbulhando no asfalto quente. Seus últimos suspiros foram sôfregos e afogados em substâncias corporais retorcidas. A multidão de curiosos observava em transe caustico a cena pavorosa. Janete, já recomposta, em pensamentos agradecia estar bem e viva, já Bene, abriu caminho na multidão e ajoelhado perto de Maria Luisa observou a pele alva e macia das pernas a mostra e leu devagar os escritos do seu sapato: ma-no-lo b-l-a-h-n-i-k, olhou para o céu e como em profecia, começou a gritar com toda força da sua voz em disparada: DO PÓ VIEMOS, AO PÓ VOLTAREMOS!
( esta crônica ja fui publicada neste blog. Então por ter um carinho especial por ela e tambem, por estar completamente sem tempo para escrever , a publico novamente)